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Crise e mal-estar em educação: reflexões

por Osvaldino Marra Rodrigues

A educação é um fenômeno eminentemente humano, pertence à esfera da condição humana e não se desenvolve às margens das sociedades, mas emerge destas. Por conseqüência, todas as mudanças ocorridas nas sociedades afetam indelevelmente a ação pedagógica, seja na compreensão dos fenômenos sociais, seja na compreensão sobre o ser humano; a educação é, pois, um fenômeno complexo e envolve todos os campos do saber humano. Além disso, não há uma educação, mas várias, tantas quantas as sociedades humanas. Por conseguinte, todos os procedimentos pedagógicos devem levar em consideração essa multiplicidade cultural e antropológica, pois elas constituem diferenças importantes e substanciais na forma como nos posicionamos no mundo

A educação e o Iluminismo

Cabe ressaltar que, sob muitos aspectos, ainda caminhamos a passos de tartaruga, pois nossos fundamentos pedagógico-epistemológicos estão emperrados por inúmeros preconceitos, anacronismos que impedem o avanço efetivo da educação. Dentre os anacronismo, o fato de estarmos muitos presos ao projeto oriundo do Iluminismo, projeto esse que pode ser caracterizado pela dominação implacável da natureza. E aqui surge um problema vital, pois esse projeto está voltando-se contra o próprio ser humano na medida em que ele também é, em última instância, natureza. Ou seja, o projeto do “Iluminismo, com efeito, é autodestrutivo, segundo Horkheimer e Adorno, porque em sua origem se configura como tal sob o signo do domínio sobre a natureza. E é autodestrutivo porque este, o domínio sobre a natureza, segue, como o Iluminismo mesmo, uma lógica implacável que termina voltando-se contra o sujeito dominante, reduzindo sua própria natureza interior e, finalmente, a si mesmo, a mero substrato de domínio. O processo de sua emancipação frente à natureza externa se revela, desse modo, ao mesmo tempo como processo de submissão da própria natureza interna e, finalmente, como processo de regressão à antiga servidão sob a natureza. O domínio do homem sobre a natureza leva consigo, paradoxalmente, o domínio da natureza sobre os homens.” [1]

Esse paradoxo é exposto no início da Dialética do Esclarecimento; de acordo com Horkheimer e Adorno, no “sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal.” [2]

A começar pela discriminação de gênero, cuja origem remonta ao projeto de domínio da natureza. Nas palavras de Max Horkheimer e Theodor Adorno, numa crítica à concepção racional da genética das sociedades, baseadas na força e brutalidade típicas dos homens “fundadores de sociedades”, a mulher é comparada à própria natureza, que tem de ser domesticada e submetida:

As mulheres “não têm uma participação própria na valentia da qual nasceu dita civilização. O homem deve sair à vida hostil, deve atuar e lutar [wirken und streben]. A mulher não é sujeito [Die Frau ist nicht Subjekt]. Não produz, mas cuida dos produtores: documento vivo dos tempos já desaparecidos da economia doméstica fechada. A divisão do trabalho, realizada e imposta pelo homem, foi pouco propícia a ela: a converteu na encarnação da função biológica, em imagem da natureza, em cuja opressão pôs esta civilização seu título de glória. Dominar sem limite a natureza, transformar o cosmos num imenso campo de caça: tal foi o sonho de milênios ao qual se conformou a idéia do homem na sociedade viril. Este era o sentido da razão do qual o homem se orgulharia. A mulher era a mais pequena e mais débil; entre ela e o homem subsistia uma diferença que a mulher não podia superar, uma diferença imposta pela natureza: o mais vergonhoso e humilhante que se possa imaginar na sociedade viril. Ali onde o domínio da natureza é a verdadeira meta, a inferioridade biológica constitui o estigma por excelência: a debilidade impressa pela natureza, a cicatriz que convida à violência.[3]

Esse mesmo projeto de dominação está presente em todas as empreitadas marítimas do período das grandes navegações marítimas que, dentre os inúmeros objetivos, tinham a incumbência de expandir os territórios dos países dominadores. É interessante constatar na historiografia colonialista como funcionava a mente do conquistador. Observe, a respeito, uma crônica de Pedro Gandavo a respeito, e o espanto do mesmo diante dos fatos observados nesta terras brasilis:

Já que tratamos da terra e das coisas que nela foram criadas para o homem, razão me parece que demos aqui notícia dos naturais dela, a qual, posto que não seja de todos em geral, será especialmente daqueles que habitam pela costa e, em parte, dos que estão pelo sertão adentro muitas léguas, com quem temos comunicação. Os quais ainda que estejam divisos, e haja entre eles diversos nomes de nações, todavia na semelhança, condição, costumes e ritos gentílicos todos são um. E se de alguma maneira diferem nesta parte, é tão pouco que se não pode fazer caso disso, nem particularizar coisas semelhantes ente outras mais notáveis que todos geralmente seguem, como logo direi. Esses índios são de cor baça e cabelo corredio; têm o rosto amassado e algumas feições dele à maneira de chins. Pela maior parte são bem-dispostos, rijo e de boa estatura; gente muito esforçada e que estima pouco morrer, temerária na guerra e de muito pouca consideração. São desagradecidos em grã maneira, e mui desumanos e cruéis, inclinados a pelejar e vingativos em extremo. Vivem todos mui descansados sem terem outros pensamentos senão comer, beber e matar gente, e por isso engordam muito, mas com qualquer desgosto tornam a emagrecer. E muitas vezes, pode neles tanto a imaginação, que se algum deseja a morte, ou alguém lhes mete na cabeça que há de morrer tal dia ou tal noite, não passa daquele termo que não morra. São mui inconstantes e mudáveis; crêem de ligeiro tudo aquilo que lhes persuadem, por dificultoso e impossível que seja, e com qualquer dissuasão facilmente o tornam logo a negar. São mui desonestos e dados à sensualidade, e assim se entregam aos vícios como se neles não houvera razão de homens, ainda que todavia em seu ajuntamento os machos com as fêmeas têm o devido resguardo, e nisto mostram ter alguma vergonha. A língua que usam, por toda costa, é uma, ainda que em certos vocábulos difere em algumas partes, mas não de maneira que se deixem uns aos outros de entender e isto até a altura de vinte e sete graus, que daí por diante há outra gentilidade de que nós não temos tanta notícia, que fala já outra língua diferente. Esta de que trato, que é geral pela costa, é mui branda e a qualquer nação fácil de tomar. Alguns vocábulos há nela de que não usam senão as fêmeas, e outros que não servem senão para os machos. Carece de três letras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não tem Fé, nem Lei, nem Rei, e dessa maneira vivem desordenadamente, sem terem disto conta, nem peso, nem medida. Não adoram a coisa alguma, nem têm para si que há depois da morte glória para os bons e pena para os maus. E o que sentem da imortalidade da alma não é mais que terem para si que seus defuntos andam na outra vida feridos, despedaçados ou de qualquer maneira que acabaram nesta.[4]

Dimensões da educação

A diacronia, em termos de educação, gera um impasse e uma crise. Para fins didáticos, podemos dizer que a educação é constituída por duas dimensões, ou aspectos, constitutivas, intrinsecamente vinculadas: forma e conteúdo, as quais estão atreladas a duas questões básicas, como ensinar e o que ensinar. Entretanto, parece haver um paradoxo instalado entre as duas dimensões, pois utilizamos procedimentos metodológicos formais a partir de conteúdos epistemológicos diacrônicamente, ou seja, parece haver um impasse entre pressupostos metodológicos oriundos da modernidade aplicados sobre fundamentos epistemológicos historicamente anteriores a esses procedimentos formais; é, pois, um problema de ordem diacrônica entre procedimentos metodológicos e fundamentos epistemológicos. Ou seja, em linguagem bíblica estamos remendando roupa velha com pedaço de pano novo, em conseqüência, nas palavras atribuídas a Jesus, “o remendo novo encolhe e rasga a roupa velha.”[5]<

Parece, portanto, haver uma incompatibilidade entre procedimentos formais e os conteúdos em educação. Esse fenômeno está, parece, na gênese de uma crise sem precedentes na história da educação; estamos, de fato, no olho do furacão, para usar uma figura de linguagem.

É plausível, portanto, afirmar que crise talvez seja, hoje, uma das palavras mais utilizadas em educação e, igualmente, em todas as dimensões da vida. Mas, como caracterizar crise? Que é crise? Numa entrevista concedida a Arnaldo Chain e Pedro Leitão, o professor Hélio Jaguaribe apresentou uma descrição bastante precisa sobre o fenômeno:

no seu sentido mais amplo, a palavra crise – que etimologicamente significa “ruptura, conflito, luta”, em suas raízes gregas – exprime uma desconformidade estrutural entre um processo e o seu princípio regulador. (...) Existe crise, num processo físico, quando os princípios reguladores entram em conflito com os processos, que passam a obedecer a outros sistemas de princípios reguladores. (...) Existe a mesma aplicação do conceito de crise, no que diz respeito às condutas referíveis a valores, condutas éticas e normativas, no sentido axiológico, quando um comportamento entra em conflito com a norma segundo a qual ele se deveria pautar. Assim, eu creio que se pode ... defini-la como uma situação de conflito, de desconformidade, de contradição, entre o princípio regulador e o processo que esse princípio regulador era suposto condicionar.[6]

Em outras palavras, estamos procurando por que ocorrem determinados fenômenos a partir de metodologias que procuram responder como ocorrem. Essa diacronia gera, pois, um impasse, uma crise. Como escreveu Hannah Arendt, “para além da espinhosa questão de saber porque razão Joãozinho não sabe ler, a crise na educação envolve muitos outros aspectos.”[7] E, alerta a filósofa, “Uma crise só se torna desastrosa quando lhe pretendemos responder com idéias feitas, quer dizer, com preconceitos. Atitude que não apenas agudiza a crise como faz perder a experiência da realidade e a oportunidade de reflexão que a crise nos proporciona.”[8]

Considerações finais

Conforme reconhece a historiografia recente, o Ocidente foi forjado a partir de três grandes eventos fulcrais: o “primeiro foi nascimento da razão grega, o segundo a assimilação da filosofia antiga pela teologia cristã, o terceiro o advento da razão moderna.”[9] E, podemos dizer, a crise instaurada se situa nesses processos que, de uma forma ou de outra, ainda convivem, embora sejam fenômenos completamente distintos e conflitantes. Daí podermos falar, como acentuada plausibilidade, da crise instalada na compreensão do que seja educação.

Em sociedades “fechadas”, ou “orgânicas”, organizadas a partir de um padrão cósmico determinado, o que se deve ensinar não se constitui num problema insolúvel; cabe a quem ensina compreender adequadamente a ontologia específica e aplicá-la; é, portanto, um esforço de inteligência, do intelecto: “Dicendum quod nomen intellectus sumitur ex hoc quod intima rei cognoscit: est enim intelligere quasi intus legere.”[10] A máxima de verdade, instaurada no século X pelo judeu Isaac Israeli (850-950?), veritas est adequtio rei et intelectus, é a súmula fiel da idéia de ciência praticada na Europa de então, superada apenas no século XVIII, com Kant. Dessa máxima pode-se deduzir que cabe ao ser humano adequar-se, enquanto criatura de Deus, portanto rei (coisa criada), ao intelecto divino. Quanto melhor compreendemos o intelecto divino mais poderemos saber da verdade das coisas, a essência mesma dos objetos sensíveis.

De acordo com Guardini,

O homem da Antigüidade não ultrapassa os limites do mundo. O seu sentimento da vida, o seu modo de representação e de pensamento detém-se no interior da sua estrutura e não põe a questão de saber o que poderá existir fora ou para lá dela. Isto origina-lhe, em primeira análise, uma involuntária autolimitação que receia ultrapassar determinadas fronteiras, uma vontade enraizada profundamente num ethos antigo de permanecer no que lhe foi designado.[11]

Seria o caso, por exemplo, de uma educação cujo princípio de verdade esteja atrelado a uma teologia, cuja verdade precede o ato de ensinar: “und, cum omne bonun sit a Deo et omnis forma, oportet absolute dicere quod omnis veritas sit a Deo.”[12] Havia, pois, um horizonte ontológico bem determinado, específico, a partir do qual a educação retirava o seu sentido.

Entretanto, em sociedades pluriculturais e, consequentemente, pluricósmicas, as questões parecem insolúveis, porque as áreas a não serem ultrapassadas são tênues e demandam esforço por parte daquelas pessoas que estão na lide cotidiana em sala de aula. Hoje, portanto, tateamos entre inumeráveis fenômenos sociais e temos dificuldade para compreendê-los, porquanto nossas análises estão fundamentadas essencialmente em metodologias formais científicas, oriundas, sobretudo, das proposições comteanas,[13] mas, pari passu, assentadas sobre epistemologias ontológicas pré-modernas. Para as metodologias oriundas da modernidade o importante é entender os fenômenos e não por que existem esses mesmos fenômenos, ou seja, os “cientistas nunca se perguntam a si próprios por que acontecem as coisas, mas como elas acontecem.”[14] Eis, portanto, as linhas gerais que permearam essas reflexões.

·- ·-· -······-·
Osvaldino Marra Rodrigues

1 Juan José SÁNCHES, “Sentido y alcance de la Dialéctica de la Ilustración” in: Max Horkheimer, Theodor ADORNO, Dialéctica de la Ilustración. 7 ed. Madrid: Trotta, 2005, p.30.

2 Max HORKHEIMER; Theodor W. ADORNO, Dialéctica de la Ilustración. 7 ed. Madrid: Trotta, 2005, p.59.

3 Max HORKHEIMER, Theodor ADORNO, Dialéctica de la Ilustración. 7 ed. Madrid: Trotta, 2005, p.293.

4 Pedro de Magalhães GÂNDAVO, A primeira história do Brasil: História da Província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, pp. 133-136.

5 Marcos 2, 21.

6 Marcel BURSZTYN (et. all.). Que crise é esta? São Paulo: Brasiliense, 1984, pp. 27-28.

7 Hannah ARENDT, “A crise na educação” in: Olga POMBO (org.). Quatro textos excêntricos. Lisboa: Relógio D’Água, 2000, p. 22.

8 Id, ibd., p. 23.

9 Henrique C. de LIMA VAZ, Escritos de filosofia VII: Raízes da modernidade. São Paulo: Loyola, 2002, p. 11. cf. Benedito NUNES, Crivo de papel. 2 ed. São Paulo: Ática, 1998, pp. 131-154; Martin HEIDEGGER, Caminhos de floresta. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, pp. 95-138. Outras fontes de interesse: Carlos VALVERDE, Génesis, estructura y crisis de la Modernidad. Madrid: BAC, 2003; Hannah ARENDT, Entre o passado e o futuro. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2001; Anthony GIDDENS, As conseqüências da modernidade. 3 ed. Oieras: Celta, 1996.

10 Santo Tomás de Aquino, “De Veritate” in: id., Opusculos y cuestiones selectas. Madrid: BAC, 2001, artigo 12, p.281. “Há que dizer que o nome intelecto vem de conhecer o íntimo das coisas. Inteligir é, etimologicamente, como um ler por dentro (intus legere).”

11 Romano GUARDINI, O fim da idade moderna. Lisboa: Edições 70, 2000, p.15

12 Santo Tomás de Aquino, op. cit., artigo 8, p.262. “de onde, sendo todo bem de Deus e toda forma, é absolutamente necessário dizer que toda verdade provém de Deus.”

13 “A sociologia era para Comte física social, que se ocupava do estudo objetivo da sociedade. Seu método baseava-se na indução, seguindo a disposição baconiana que dominava no século XIX, e buscou estabelecer as relações constantes que se dão entre os fenômenos observados. O conhecimento positivo deveria afastar-se do misticismo, abandonar o estudo das causas profundas (ontológicas), tomar como critério a concordância dos fatos e limitar-se à observação, à comparação, à experimentação e ao prognóstico. Somente a partir do método científico pode-se estabelecer limites estritos à validez dos enunciados em termos de controle empírico que supõem sua verificação. O que caracteriza aos enunciados empíricos é sua capacidade prognóstica de conseqüências que podem ser verificadas.” Amparo GÓMES RODRÍGUEZ, Filosofia y metodología de las ciencias sociales. Madrid: Alianza, 2005, p. 22.

14 Étienne GILSON, Deus e a filosofia. Lisboa: Edições 70, 2003, p.83.



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